Por mais estranho que possa parecer o
título deste post, a verdade é que muitas pessoas não sabem exatamente qual o significado e alcance do contrato de fiança, tampouco o papel do fiador ao assinar um contrato de locação. A diferença entre os sujeitos
é enorme: enquanto a aposição da firma de uma testemunha simplesmente
denota seu conhecimento acerca dos termos daquilo que foi contratado entre terceiros, a do fiador significa a sua ciência, concordância e oferecimento de um bem
particular seu como garantia financeira do cumprimento do avençado entre locador e locatário.
Assim, caso o devedor (leia-se, aquele que está alugando uma casa ou apartamento) não efetue o
pagamento da dívida, esta recairá sobre o fiador, especialmente sobre o imóvel
indicado no contrato visando assegurar o adimplemento do débito. Outra
peculiaridade a ser observada é a existência da cláusula denominada Benefício
de Ordem, a qual, em suma, obriga o credor a primeiramente buscar bens no
patrimônio do devedor principal, para somente depois, em caso de insucesso,
executar o fiador.
Ocorre que, por desconhecimento ou
desatenção, muitas vezes o fiador acaba por assinar um contrato em que expressamente abre mão do benefício supramencionado, renúncia essa que o coloca em posição extremamente
desvantajosa. Da mesma forma o benefício não pode ser invocado quando o fiador inadvertidamente assume a
posição de pagador principal ou devedor solidário, ou ainda nos casos em que o locatário inadimplente é falido ou encontra-se em estado de insolvência.
Outra particularidade do contrato de
fiança diz respeito à impossibilidade de se alegar a impenhorabilidade do bem
de família quando da execução. Vale dizer: o único imóvel que serve de
residência ao efetivo devedor/ inadimplente não pode ser objeto de penhora, mas
o do fiador que espontaneamente assume a obrigação sim.
São dois pesos e duas
medidas que, embora aparentemente firam o princípio da igualdade e o direito à moradia, vêm sendo aplicados com
base na Lei n.º 8.009/90 e em precedente do STF (Recurso Extraordinário n.º 407.688), além da jurisprudência pacífica do STJ acerca do tema, consoante as ementas que seguem transcritas:
FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República. (RE 407688/SP, Rel. Ministro Cezar Peluso, Pleno do STF, julgado em 08/02/2006, DJE 06/10/2006).
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. PENHORA DE BEM DE FIADOR. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Inexiste óbice à penhora sobre bem de família pertencente ao fiador do contrato de locação. Precedentes do STJ. 2. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 624.111/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 18/03/2015).
PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. EXECUÇÃO. LEI N. 8.009/1990.
ALEGAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA. FIADOR EM CONTRATO DE LOCAÇÃO.
PENHORABILIDADE DO IMÓVEL.
1. Para fins do art. 543-C do CPC: "É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990". 2. No caso concreto, recurso especial provido.
(REsp 1363368/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 21/11/2014).
GRIFOS NOSSOS
Vale ressaltar que já tratamos aqui no blog acerca da possibilidade de exoneração do fiador casado quanto ao pagamento da dívida nos casos em que a fiança for ofertada sem a outorga marital, através da competente declaração judicial de Nulidade de fiança prestada sem o consentimento do cônjuge, o que invalida o ato por inteiro, e não somente a meação daquele que não assinou o contrato.
De qualquer forma, mostra-se de vital importância
que uma pessoa, ao pretender assumir a posição de fiador em um contrato de
aluguel, independentemente da relação de confiança existente entre as partes e/ou dos laços familiares ou de amizade que mantém com o afiançado, busque orientação jurídica junto a advogado de sua escolha, para
fins de tomar integral conhecimento acerca dos termos da avença e extensão de
sua responsabilidade em caso de inadimplemento do locatário, tendo em vista as graves consequências financeiras que poderão advir no futuro.
_____________________________
Código Civil de 2002:
Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.
Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.
Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador:
I - se ele o renunciou expressamente;
II - se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;
III - se o devedor for insolvente, ou falido.
Lei n.º 8.009/90:
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
(...)
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
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